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Lembra-se de letras de músicas que não ouve há anos? Perceba porquê

2 Nov 2023 - 09:12

Lembra-se de letras de músicas que não ouve há anos? Perceba porquê

Às vezes, numa manhã atribulada, pode dar por si à procura das chaves do carro, porque não se lembra onde as deixou. Por fim, encontra o objeto perdido e segue para o trabalho. Mas, depois, ao ligar o rádio, está a dar uma música que não ouve há muito tempo e, mesmo assim, dá por si a cantá-la do início ao fim. Afinal, como conseguimos lembrar-nos de letras de músicas que já não ouvimos há anos, mas não de ações que executámos há poucas horas?

Porque nos lembramos de músicas que já não ouvimos há vários anos?

Por um lado, os esquecimentos do dia a dia, como “não saber onde se pôs as chaves ou o telemóvel”, derivam, muitas vezes, de ações “quase inconscientes”, que “fazemos de forma automática, sem estarmos ativamente a pensar nelas”, começa por adiantar, em declarações ao Viral, Rui Araújo, neurologista e vice-presidente da Sociedade Portuguesa Neurologia (SPN).

Isto é, “o cérebro não recebe a informação que esse tipo de detalhe é para reter durante muito tempo”. Por isso, “durante essa ação, quando estamos a deixar a chave num determinado sítio, temos a atenção dirigida para outra área”, acrescenta.

No caso das músicas antigas, “elas já estão muito bem consolidadas, fazem parte da informação que está protegida pelo cérebro, por já estar guardada em vários locais”, adianta.

Ao contrário dos “pequenos aspetos do dia a dia que o cérebro não processou”, as letras das músicas que se ouviu em determinada altura da vida foram captadas com a devida atenção pelo cérebro

Por vezes, até nem se está em contacto com uma determinada música há anos, mas basta começar a tocar uns segundos e a pessoa pode reconhecer de imediato. Isto acontece porque a própria melodia “funciona como pista para o cérebro ir buscar informação pertinente”, justifica. 

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Aliás, “a memória funciona muito assim”, frisa o neurologista. No mesmo sentido, um texto publicado na Harvard Health Publishing explica que “as memórias não são armazenadas num único local do cérebro”. 

O que acontece é que “os componentes sensoriais de uma memória – visão, olfato, som, etc. – são distribuídos por diferentes áreas do cérebro, e o ato de recordar ocorre quando o cérebro junta essas partes”, acrescenta-se.

Portanto, até se pode não ter presente de imediato a informação que se decorou num determinado contexto, e é possível “ter alguma dificuldade em relembrar”, mas as pistas facilitam esse processo.

Segundo o vice-presidente da SPN, os testes de memória em consulta são feitos de acordo com esta lógica. “Muitas vezes, pedimos à pessoa para decorar alguns objetos ou alguns nomes e, mais tarde, pedimos à pessoa para dizer quais são”, explica. 

Pode acontecer a pessoa não se recordar logo e, aí, “temos de dar uma pista”, como indicar que a palavra corresponde a “um animal” ou a “uma peça de fruta”, por exemplo. 

“Se a pessoa conseguir lembrar-se significa que a dificuldade foi só neste acesso à informação, facilitado pela presença dessas pistas”, conclui.

Por que razão colocamos um peso emocional na música?

Como justifica Rui Araújo, “as áreas de processamento do som estão muito associadas a questões emocionais”, já que ambas as áreas “estão muito próximas, em termos cerebrais”.

No artigo da Harvard Health Publishing esclarece-se que “cada vez que uma memória é criada, as suas partes constituintes são catalogadas na estrutura cerebral profunda”, o “hipocampo”. 

E, de facto, “junto ao hipocampo” situa-se “o centro emocional do cérebro”, que “assinala certas memórias como sendo importantes ou emocionalmente poderosas”. 

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Por isso, “ouvir uma determinada música” ou até mesmo “ouvir certas melodias ou tonalidades”, vai “estimular áreas do cérebro ligadas às emoções”, sustenta Rui Araújo.

Claro que, destaca o médico, “tendencialmente lembramo-nos daquilo que nos marcou”. Aliás, “tudo o que é memória a longo prazo”, por norma, “tem a ver, muito, com aspetos da emoção”. 

Assim, “se é algo que está acoplado a uma determinada emoção, é mais provável que uma pessoa se vá lembrar durante mais tempo”. 

Uma música, por exemplo, pode ter um grande significado emocional para uma pessoa e fazê-la reviver certas memórias, “porque a ouviu quando estava a viver um determinado contexto”, refere.

“A música até pode ser utilizada em contexto de reabilitação cognitiva”

Segundo Rui Araújo, “ouvir música pode influenciar algumas ondas cerebrais”. O médico explica que “a música pode ter um efeito modelador na formação de certos impulsos elétricos no cérebro”.

Nesse sentido, “a música até pode ser utilizada em contexto de reabilitação cognitiva”, em que se pede ao paciente, por exemplo, “para trautear a letra de uma música”, “dizer bem as palavras”, “ir buscar o tom adequado”. 

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Além disso, frisa, sabe-se que “a música pode ter algum efeito de relaxamento, por isso, pode ser usada em vários contextos” sendo, muitas vezes, uma boa “estratégia de controlo comportamental nas demências mais avançadas, em que pode haver alguma agitação e alguma agressividade”. 

2 Nov 2023 - 09:12

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